O conselho da São Luiz [conto]

Foi na Fazenda São Luiz que se deu um fato, de que muito se contará nos anos vindouros. Foi que se juntaram na dita fazenda, cuidada por um casal de sabiás muito trabalhadores, uma bicharada que, cansada das coisas como estavam, queriam descobrir como a vida podia voltar a ser boa e feliz.

Pois com muita cordialidade estavam recebendo na porteira da fazenda um cedro, alto e de feições gentis, acompanhado de uma imponente embaúba que abrigava tanta vida dentro de si, como um singelo cogumelo de lindo feitio e boa vontade e uma interessante flor chamada cosmos, intrigante em seu alaranjado; todos acalentados pelo som de uma acolhedora água que ali passava e ficava.

Num voo rasante uma amável coruja chegou e pousou na embaúba — falante e curiosa queria saber quem já tinha chegado. Por sorte a alegre maritaca estava atrasada, pois logo seria aquela barulheira.

Uma raposa muito espertinha chegou perguntando onde era a cozinha, mas seu companheiro de viagem, o lince, com sua agudez já tinha indicado o caminho até um atencioso pé de café, que com perspicácia e boa vontade atendia a todos.

E foram chegando: um cisne gracioso que a tudo se propunha, viajando longe e enxergando ainda mais longe; um cavalo ágil e amigo de todos que carregava o leve gato, tão preciso em seus comentários, e um encalorado pinguim, desconfortável nos dias quentes de abril, mas que não perderia essa reunião por nada.

Vinha conversando com um pesado urso marrom, ativo e inteligente, uma delicada abelha, que nunca tinha estado tão rodeada de bicharada e por isso se aninhou junto à oliveira centenária, de alma antiga e atencioso cuidar. Ela perguntava à araucária bela e alta como ia a família, a qual contou aos ouvidos atentos do livre tucano e do gavião de longa visão sobre os sabores e dissabores de sua vida. O jatobá em sua fortaleza tudo captava, mas nada dizia.

O ipê-branco (que estava verde porque estávamos no outono), se pareava com um frondoso flamboyant, muito atento a toda a conversa ao seu redor. O periquito, que era um tesouro de delicadeza, avisava que até o falante golfinho lhe dissera que chegaria para tão importante conselho.

O lobo-guará já vinha contando da viagem e de como se machucara por ser tão curioso, ao que o esquilo serelepe já respondia com uma piada. Ninguém reparou no morcego, mas ele estava lá, esperando sua vez de falar.

Foi então que a farfalhante borboleta terminou seu voo pousando no fabuloso carvalho e anunciou que todos já tinham chegado, que podiam começar.

Um magnânimo marq, da espécie “lândes”, tomou a palavra e conduziu o conselho, explicando que todos que estavam ali queriam algo mais, um calor e amor que sentiam que estava se perdendo. Cada um pode expor suas ideias, contar de sua vida, e todos os demais ouviam com respeito e devoção.

Nisso ficaram por cinco dias. Eles faziam tudo juntos: os mais velhos ensinavam os mais novos, os mais novos davam notícia do mundo lá fora e todos aprendiam sobre as formas antigas de viver.

 

No último dia fizeram uma grande fogueira. Cantaram e riram, abraçaram-se e choraram e já sentiam saudades de estarem juntos. Foi aí que perceberam ao olharem ao redor — quase que todos ao mesmo tempo — que a resposta que tinham ido buscar estava ali mesmo: a resposta era o outro, nele estava o amor e o calor que tanto desejavam. Era na comunhão de seres tão diferentes que se encontrava uma vida boa e feliz. Era no saber-se necessário, no perceber-se parte, no entender a grandeza da vida e que, se somos parte dela, quão grandes somos nós também!

Era de se esperar que a bicharada urrasse de alegria e as árvores chacoalhassem de êxtase, mas não foi assim. Reinou um silêncio solene, reverente, em respeito à imensa missão que carregavam. Saiam dali plenos e munidos de uma certeza: tudo vale a pena quando se dá as mãos.

 

[por Daniela Urquidi, , 26/04/2018 — em São Joaquim da Barra, em viagem com o 9º ano do Colégio Waldorf Micael de SP]

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