Hoje vi o vídeo de um homem que via cores pela primeira vez em 60 anos. Com óculos inteligentes corretores de cor que têm se tornado mais acessíveis a pessoas daltônicas, vídeos como esse têm pipocado nas redes sociais. No entanto, o registro daquele momento de encantamento e descoberta foi único e irrepetível.
Ele abriu o presente de sua família, cético, e colocou os óculos. Olhou ao redor e perdeu as palavras, assombrando-se com o colorido do nosso mundo. Colocava e tirava os óculos como que se beliscando para certificar-se da realidade. E na emoção que senti ao viver aquele momento com aquele estranho, pensei: quanta beleza escondida nesse mundo!
Escondida? Talvez não, melhor seria dizer: quantos detalhes negligenciados! Corremos atrás de encontros com a grandiosidade, e eis que ela reside em uma mera característica tantas vezes despercebida. Quão belas são as folhas verdes em contraste com o céu de outono, ou o vermelho aveludado pousado em boca sobre dentes brancos. Fascinante beleza cotidiana roubada de nós pela monotonia, pelo descuido, pela indiferença – ou será pela cegueira?
Em seguida olhei ao redor do quarto e saboreei as cores a minha volta com mais gosto, vontade e prazer. Assombrei-me com os mundos dentro do meu mundo, incríveis, inexplorados, privados, coloridos. A que mais tenho sido daltônica? Os óculos daquele senhor foram os meus óculos. Enxerguei mais do que um mundo de cores, mas um mundo de experiências ignoradas ao alcance de minhas mãos, dentro de um presente que já recebi. Já era hora.
Veja também: A dádiva do olhar (Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho)
Deixe um comentário