“O jornalista é um homem que errou de profissão” – atribuída a Otto Von Bismarck
Quando terminei o colegial sabia apenas uma coisa: que deveria continuar estudando. Fora isso, a imensa disponibilidade de profissões me deixava atordoada. Cheguei a ser bióloga marinha, engenheira florestal, professora e por fim escritora. Eu sabia apenas que os números não me acompanhariam. Tentavam não influenciar minha decisão, o que me angustiava muito mais. Como decidir aos 17 anos o resto da minha vida? Mesmo assim o tempo urgia e a decisão se aproximava.
Mãe, vou prestar pra Jornalismo. Silêncio. Acho que vou poder escrever bastante se for jornalista. Silêncio. Não quero ser professora, senão faria Letras. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Tempos depois descobri que minha mãe sempre desprezara jornalistas e tinha uma antipatia natural por eles. Mas ela me apoiava. Comecei a faculdade, a trabalhar em um estágio e logo descobri o significado de exploração. Com mais alguns meses fui buscar no dicionário a definição de decepção para ter certeza. Eram sermões ilógicos, teorias absurdas, abstrações impossíveis. Dei-me conta de que não seria escritora. Talvez uma máquina mecânica de leads, pirâmides invertidas, um gatekeeper. A insatisfação destruía as perspectivas e cegava a esperança.
Mas a luz estava lá. Bem no fundo, mas ao meu alcance. Comecei a estudar Letras e Jornalismo ao mesmo tempo. As coisas começaram a fazer mais sentido, a linguagem que eu tanto apreciava me era restituída. Passei a admirar também o trabalho de apuração e redescobri o prazer da escrita. Descobri que havia passado por uma crise de abstinência: faltava-me a literatura. O ritmo dos trabalhos, aulas e textos era frenético. Eu estava feliz porque não era jornalista.
Após um período sabático, havia decidido largar o jornalismo. O curso de Letras me bastava. Porém um amigo me chamou à atenção: eu estava me rendendo. Não. Há que se vencer os desgostos. Transformar a realidade. Faça as possibilidades trabalharem a seu favor. Sim. Decidi me formar. Alguns argumentaram que aquele pedaço de papel, o tal diploma, de nada mais valia para a profissão. No entanto fui firme à decisão e comecei a segunda metade do curso. O ano que se seguiu foi um maravilhoso namoro, repleto de descobertas, pleno de realizações, cheio de confiança no futuro. Afinal o jornalismo era o que eu fazia dele. Decidi procurar um estágio – e me submeter novamente aos caprichos do mercado.
Foi então que as dúvidas retornaram. As vagas não tinham o meu perfil, tinham o perfil da minha ambição. Não ganhei a chance de ser jornalista. Acabei desistindo das redações. E comecei a imaginar se as tartarugas marinhas não estariam precisando de mim. Apeguei-me novamente às possibilidades de ser professora. Minha mãe, um pouco mais aliviada, apoiou-me. Mas sinto que pelas ironias da vida o jornalismo ainda vai me perseguir e alcançar.
Em que ponto desta incômoda montanha russa estarei nos próximos capítulos é difícil prever. Talvez eu largue tudo e vá pesquisar os pandas. Talvez eu seja encontrada em uma sala de primário ensinando Machado de Assis. E tudo só depende de oportunidade, de vontade, de momento. De uma coisa sei com certeza: com 17 ou 107 estarei sempre estudando. Bismarck não estava errado ao supostamente dizer que o jornalista é alguém que errou de profissão. Talvez tenha errado. Mas enquanto houver dúvida posso singelamente declarar como ocupação minha profissão de fé: estudante.
(Obs. No presente capítulo encontro-me jornalista, editora, estudante e plenamente realizada. Divertindo-me nas curvas da montanha russa. Mas quem pode imaginar o que vem além da curva…)
[Despedida ao final da faculdade de jornalismo, por Daniela Urquidi, junho de 2011]
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