O preconceito, frequentemente ligado ao medo, é um dos instintos mais primitivos do homem. Nosso intelecto irracional registra automaticamente o outro e o diferente como ameaça até que a consciência entre em cena e devolva ao animal humano a civilidade conquistada. Pode acontecer que a razão seja treinada para direcionar e manter certos preconceitos, seja pela tradição ou educação. O medo fustiga o preconceito, o preconceito promove a intolerância e a intolerância alimenta o medo.
Em julho deste ano um ataque terrorista sem precedentes motivado pela xenofobia deixou 92 mortos. Porém, o assassino não direcionou seus ataques aos que lhe provocaram ódio e hostilidade, mas àqueles que julgou serem os futuros responsáveis pela contínua entrada de estrangeiros na Noruega. Para os jovens assassinados a tiros, expressar preferência política em um país livre lhes custou a vida. A conduta do atirador trouxe à luz uma questão indigesta, mas galopante na Europa: o extremismo da direita repleto de preconceitos.
Em um estado de direito democrático as ideologias são toleradas e livres em suas expressões. Nas palavras de Kant, “a liberdade do arbítrio de um pode subsistir com a liberdade de todos os outros segundo uma lei universal”, que é a lei da razão. No entanto, diante da irracionalidade ideológica demonstrada no incidente norueguês nos perguntamos se há ideologias que são intoleráveis e devem ser reprimidas, tornando assim a tolerância relativa e ambígua.
A política adotada pelos governos democráticos é em tese a do respeito ao multiculturalismo, impondo a seus cidadãos o dever da tolerância. Raphael Douglas, ex-professor de Ética na Universidade Federal Rural de Pernambuco, descreve a situação como um “catecismo contemporâneo da boa vontade” artificial. Assim como a extrema-direita em países europeus, podemos notar que em diferentes graus e conjunturas pessoas começam a reclamar o “direito à intolerância”, o direito de sentirem-se hostilizadas, de defenderem seus preconceitos e de proteger-se contra o outro.
Enquanto parece que a evolução dos direitos humanos e da diplomacia atingiu uma sofisticação capaz de garantir a paz no mundo, outra corrente requer o reconhecimento de seu direito à hostilidade, ao medo, ao preconceito. A tolerância ao intolerante expresso apresenta-se como um dos paradigmas humanos da civilização moderna. Espera-se apenas que enquanto as discussões avançam mais sangue não seja derramado por aqueles que não sabem suportar o diferente e o medo.
[por Daniela Urquidi, agosto de 2011]
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