Monopólio da violência [artigo]

Weber e as milícias armadas brasileiras 

Trotsky declarou em Brest-Litovsk que “qualquer Estado baseia-se na força”.  A partir desse pressuposto Max Weber, filósofo alemão do século XX, tece uma tese conhecida como “monopólio da violência”, na qual o Estado moderno pode ser definido pelo monopólio legítimo da força nos limites de um território estabelecido (A política como vocação, 1919). Se o poder de um Estado está no controle da violência, o que aconteceria se o Estado estivesse ausente e omisso dentro de seu próprio território? Então isso seria Brasil, precisamente uma favela carioca dominada por milicianos.

A população brasileira tem apaticamente assistido à dominação de comunidades por milícias. Criadas inicialmente com o propósito de expulsar traficantes e pacificar as favelas, os grupos de “auto-defesa comunitária”, como um dia foram reconhecidos pelo governo, tem em pouco tempo enveredado pelos rumos da criminalidade e apropriado-se do terror, da extorsão e do extermínio como forma de controle. Criam um Estado paralelo que, ainda de acordo com o conceito de Weber, está calcado no uso da violência, porém em nível local e extra-oficial. Onde falha o Estado constituído, um novo Estado amoral se aloja.

Sem surpresa constata-se que os detentores do novo poder imposto em recônditos isolados do alcance do Estado são justamente agentes deste. Policiais civis e militares, ex-policiais, bombeiros, soldados do exército, enfim, servidores responsáveis por manter o uso da força na mão do Estado usam seu conhecimento e treinamento para servir em última instância a seus próprios interesses. Ninguém melhor do que eles para aplicar a verdade de Weber: aquele que domina a força tem legitimidade sobre seus iguais.

Os milicianos atravessam muitas vezes a fronteira que separa o crime da lei. Os grupos armados também tem superado as fronteiras dos estados e se espalhado pelo Brasil. O traço comum a todos eles é o uso da violência e a sensação de pairar acima da lei, como aponta reportagem da revista Veja (29 de agosto de 2011). Apesar de oprimidas por outro tipo de organização que não o tráfico, as comunidades admitem a dominação das quadrilhas em troca da segurança que recebem ao conformarem-se às novas regras. Aqueles que discordam são sumariamente condenados e executados como exemplo, imposição e demonstração do poder conquistado.

Paulo Storani, ex-sub-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, critica a prática e organização de milícias, mas relata que nunca viu “até agora troca de tiros entre milicianos e polícia, ou a polícia invadindo comunidade ocupada por milícia. Então, a ocupação de milícias diminui o confronto – e o que as pessoas querem é paz, mas elas acabam tendo que pagar um preço por isso”. Na teoria de Weber, o Estado é a fonte única do direito de recorrer à força. Para quem vive o dia a dia das 100 comunidades controladas pelos grupos armados dentre as 250 da cidade do Rio de Janeiro, tem poder quem é presente, quem é mais forte e, principalmente, quem está armado.

Apesar de não expressa na tese de Max Weber, conclui-se que dois Estados não podem monopolizar a violência no mesmo território sem entrarem em conflito, mesmo que um deles seja extra-oficial. A situação é insustentável em teoria e prática. A alternativa para a “auto-defesa” mostrou-se tão ineficiente e corrompida quanto o Estado que lhe deu origem.

 

[por Daniela Urquidi, setembro de 2011]

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